abril 07, 2013

- Macário!

Exclamava autoritariamente D. Justina do alto dos seus óculos de massa preta. E suspirava.
O Sr. Macário já não tinha memória da última vez que D. Justina - herdeira da casa onde
trabalhava como mordomo fazia 16 anos nesse Outono – o tinha olhado directamente nos
olhos.

D. Justina Espregueira era a viúva de um tal Sr. Júlio Cardoso
Espregueira que em tempos tinha possuído uma das maiores fortunas do Minho. Aquando da
sua morte já essa fortuna estava sob perigo de ruína. Apostas mal aconselhadas na
compra de terrenos supostamente ricos em minério, que se haviam revelado não só desertos
de qualquer tipo de pedra como também estranhamente estéreis, tinham levado a situação financeira na
Casa Espregueira a já ter visto melhores dias.

- Leve-me estas caixas até à arrecadação pequena, não há aqui nada que me sirva. Espero não
ser necessário ter de chamar aqui alguma das criadas por me terem desaparecido os meus
serviços. Posso estar velha mas ainda sei o que é meu! E traga-me mais caixas, quero continuar
à procura.

O Sr. Macário era um homem de pouco mais de 50 anos, com um porte quase elegante demais
para ser mordomo. Alto, de feições ossudas mas de uma certa nobreza, vestia-se impecavelmente, conseguindo sempre disfarçar a passagem do tempo pelos fatos que usava ano após ano. Tinha nascido
em Lisboa, e lá tinha vivido quase 30 anos, mas à conta de um esgotamento nervoso o
Doutor tinha-lhe sugerido ir uns tempos para o campo. Inicialmente vivera em casa de uma
tia-avó, sobrevivendo de poupanças que tinha guardado e esperando que o futuro se ditasse, mas
no dia em que soube que havia uma viúva em...

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A hegemonia de um grupo (classe!) social sobre outra(s) não é tanto um processo que se alcança pelo uso efectivo da força como é um processo de naturalização de ideologias convenientes à primeira através da repetição e acumulação de discursos ditos formadores do senso-comum.
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